“Três atitudes
fundamentais” – Santa Catarina de Sena
(Deus Pai
fala à Santa Catarina)
24.5 – Três atitudes fundamentais
Desejo de ti três atitudes, a fim de não impedires o aperfeiçoamento a que
te chamo e para que o demônio, sob a aparência de virtude, não instile em teu
coração a semente da presunção, que poderia levar-te àqueles falsos
julgamentos, que te desaconselhei (24.3). Pensando estar na verdade, errarias.
Às vezes, o demônio até faz conhecer exatamente a realidade, mas para conduzir
depois ao erro. A intenção do maligno é transformar-te em juiz dos pensamentos
e intenções dos outros. Mas o julgamento, como disse (24.3), só a mim pertence.
24.5.1 – Não corrigir o próximo
A primeira coisa que te peço, é que retenhas tua opinião e não julgues os
outros imprudentemente. Eis como deves agir: Se eu não te manifestar
expressamente, não digo uma ou duas vezes, mas diversas vezes, o defeito de uma
pessoa, jamais deves fazer referências sobre tal coisa diretamente à pessoa,
que julgas possui-lo. Quanto aos que te visitam, corrigirás os defeitos
genericamente, mediante conselhos sobre as virtudes, e isso com amor e bondade.
Em caso de necessidade, usarás de firmeza, mas com mansidão. No caso de que eu
te revele por diversas vezes os defeitos alheios, mas não tiveres certeza de
que é uma revelação expressa, não fales diretamente sobre o caso. A fim de
evitar a ilusão do demônio, segue o caminho mais seguro. O diabo pode
enganar-te sob aparência de caridade, fazendo-te condenar os outros em assuntos
não verdadeiros, com escândalo mesmo. Nesses casos, esteja na tua boca o
silêncio.
Ao perceberes defeitos nos outros, reconhece-os primeiro em ti com muita
humildade. No caso de existir realmente o pecado em alguém, mais facilmente ele
corrigir-se-á se for compreendido bondosamente. A correção que não ofende,
obrigá-lo-á a emendar-se. Aquela pessoa confirmará quanto querias dizer e tu
mesma te sentirás mais segura, impedindo a intervenção do demônio, o qual não
conseguirá enganar-te, prejudicando teu aperfeiçoamento.
Convence-te de que não
deves acreditar em opiniões. Ao escutá-las, atira-as para trás, nas costas; não
as leves em consideração. Procura ir examinando apenas tua própria pessoa e
minha bondade, tão generosa. Esta é a atitude de quem alcançou o último grau da
perfeição e que, como já disse (20.2), sempre retorna ao vale do
autoconhecimento.
Atitude que, no entanto, não lhe impede o elevado estado de
união comigo.
Esta é a primeira coisa que deves praticar, a fim de me servires na
verdade.
24.5.2 – Não julgar o interior do homem
Passo a falar da segunda atitude.
Quando estiveres orando diante de mim por alguém e acontecer de perceberes
a luz da graça numa pessoa e em outra não, parecendo-te que esta última está
envolta em trevas, não deves concluir que a segunda se acha em pecado mortal.
Teu julgamento seria muitas vezes errado.
Outras vezes, ao pedires por uma mesma pessoa, de uma feita a verás
luminosa e tua alma sentir-se-á fortalecida naquele amor de caridade pelo qual
o homem participa do bem do outro; numa outra vez, o espírito daquela pessoa parecerá
distante de mim, como que em trevas e pecado, fato que tornará penosa tua
oração em seu favor, ao quereres conservá-la diante de mim.
Este último fato pode acontecer, às vezes, devido à presença de pecados
naquele por quem oras; mas na maioria dos casos será por outras razões. Fui eu,
Deus eterno, que me afastei da pessoa. Conforme expliquei ao tratar dos estados
da alma (18.1.2), retiro-me das almas a fim de que elas progridam no meu amor.
Embora a alma continue em estado de graça, ausento-me quanto às consolações e
deixo o espírito na aridez, tristonho e vazio. Quando alguém ora por tal
pessoa, constumo transmitir-lhe esses mesmos sentimentos. Quero que ambos,
unidos, se entreajudem no afastamento da nuvem que pesa sobre aquela alma.
Como vês, filha querida, seria iníquo e digno de repreensão, se alguém
julgasse que a alma está em pecado mortal somente porque a fiz ver envolta em
dificuldades, privada de consolações espirituais que possuía antes. Tu e meus
servidores deveis esforçar-vos por conhecer-vos melhor, bem como, por
conhecer-me. Quanto a julgamentos semelhantes, deixai-os para mim. A mim, o que
me pertence; vós, sede compassivos e desejosos de minha glória e da salvação
dos outros homens. Manifestai as virtudes e repreendei os vícios, tanto em vós
como nos outros, segundo a maneira como indiquei acima (24.5.1). Desse modo
chegareis até mim, após entender e viver a mensagem do meu Filho, a qual
consiste na preocupação consigo mesmo, não com os demais. É assim que deveis
agir, se pretendeis praticar a virtude desinteressadamente e perseverar na
última e perfeitíssima iluminação (24.3), repleta de desejo santo, isto é, de
zelo pela minha glória e pela salvação do próximo.
24.5.3 – Respeitar a espiritualidade alheia
Após discorrer sobre as duas primeiras atitudes, ocupo-me da terceira.
Quero que prestes muita atenção, a fim de que o demônio e tua fraca
inteligência não te façam obrigar outras pessoas a viver como tu vives. Tal
ensinamento seria contrário à mensagem do meu Filho.
Ao ver que a maioria das almas segue pela estrada da mortificação, alguém
poderia querer orientar todos os outros a seguirem pelo mesmo caminho. Ao notar
que uma pessoa não concorda, aquele conselheiro se entristece, fica intimamente
contrariado, convencido de que o fulano age mal.
Grande engano! Na realidade está mais certo quem pareceria andar errado,
fazendo menos penitência. Pelo menos será mais virtuoso, sem grandes
macerações, do que aquele que o fica a criticar. Já te disse (2.9) que devem
ser humildes aqueles que se mortificam. Considerem as penitências como meros
instrumentos, não como a meta.
Normalmente, as murmurações prejudicam o
aperfeiçoamento no amor. Quem se penitencia, não seja mau, não ponha sua
santidade unicamente no macerar o corpo. O aperfeiçoamento encontra-se na
eliminação da vontade própria. A atitude desejável para todos é que submetam a
má vontade pessoal à minha vontade, tão amorosa. É isso o que eu desejo. É esse
o ensinamento do meu Filho. Quem o seguir estará na verdade.
Não desprezo a penitência. Ela é útil para reprimir o corpo, quando ele se
opõe ao espírito. Mas, filha querida, não a deves impor como norma. Nem todos
os corpos são iguais, nem todos possuem a mesma resistência física. Um é mais
forte que o outro. Como afirmei (2.9), muitas vezes motivos fortuitos
aconselham a interrupção de alguma mortificação iniciada. Ora, seria falsa tal
afirmação, se a penitência fosse algo de essencial para ti ou para outra
pessoa. Se a perfeição estivesse na mortificação, ao deixá-la, julgaríeis estar
sem minha presença, cairíeis no tédio, na tristeza, na amargura e na confusão.
Deixaríeis o exercício da oração, realizando ao mortificar-vos. Interrompida
assim, com tantos inconvenientes, a mortificação nem seria mais agradável ao
ser retomada.
Eis o que aconteceria, se a essência da perfeição consistisse na
mortificação exterior e não no amor pela virtude. Grande é o mal causado pela
mentalidade, que põe na penitência o fundamento da vida espiritual. Tal
mentalidade deixa a pessoa sem compreensão para com os outros, murmuradora,
desanimada e cheia de angústias. Além disso, todo vosso esforço para honrar-me
se basearia em ações finitas, ao passo que exijo de vós um amor infinito.
É indispensável que considereis como elemento básico de vosso aperfeiçoamento a
eliminação da vontade própria; submetendo-a a mim, fareis um ato de desejo
agradável, inflamado, infinito para minha honra e para a salvação dos homens.
Será um ato de desejo santo, que em nada se escandaliza, que em tudo se alegra,
qualquer seja a situação que eu permita para vosso proveito.
Não se comportam desse modo os infelizes que seguem por estradas
diferentes daquela, reta e suave, ensinada por meu Filho. Comportam-se de outro
jeito: julgam os acontecimentos de acordo com a própria cegueira e com o errado
ponto de vista; caminham como loucos sem tirar proveito dos bens terrenos nem
gozar dos celestes. Como afirmei antes (14.11), já possuem a garantia do
inferno.
24.5.4 – Resumo
das três atitudes anteriores
Essa é a resposta às tuas perguntas, filha querida, sobre a maneira de
corrigir o próximo sem ser enganada pelo demônio e sem conformar-te ao teu
fraco modo de pensar. Disse (24.5.1) que deves corrigir o próximo
genericamente, sem descer aos casos pessoais. A não ser que eu te revele
expressamente a situação de pecado; mas assim mesmo, com muita humildade.
Disse também (24.5.2), e torno a repetir, que jamais deves julgar o
próximo, em geral ou em particular, pronunciando-te sobre o estado da sua alma,
seja para o bem como para o mal. Expliquei o motivo: o julgamento pessoal é
sempre enganador. Tu e os outros servidores meus, deixai para mim todo o
julgamento.
Enfim, expus a doutrina relativa ao fundamento verdadeiro da perfeição
(24.5.3), o qual deves ensinar a quem te procurar desejoso de abandonar o
pecado e praticar a virtude, o autoconhecimento e o conhecimento do meu ser.
Ensinarás a tais pessoas, que destruam a vontade própria, que jamais se
revoltem contra mim, que considerem a penitência como um meio, não como
finalidade principal. Afirmei ainda que não deves aconselhar a mortificação em
grau igual para todos, mas de acordo com a capacidade de cada um, em seu estado
de vida. A uns pedirás pouco, a outros mais, segundo a capacidade corporal.
Pelo fato de dizer-te que só deves corrigir genericamente, não pretendo
afirmar que jamais hás de corrigir pessoalmente. Serás até obrigada a fazê-lo.
Quando alguém se obstina em não emendar-se, podes recorrer a duas ou três
pessoas (Mt 18, 16); e se isso for inútil, apresenta o caso à jerarquia da santa
Igreja. Ensinei que não deves corrigir tomando como norma teu modo pessoal de
ver, teu sentimento interior; baseando-te nele, não podes mudar de opinião
sobre as pessoas. Sem prova evidente ou revelação expressa, não repreendas
ninguém. Tal modo de agir é o mais seguro para ti, pois ele evita que o demônio
te engane com aparências de amor fraterno.
Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 214-219
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 214-219
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